Como ser um aliado parte II - Acessibilidade Visual nos Jogos Digitais
- LRVStudios
- 5 de jan. de 2021
- 7 min de leitura
Atualizado: 26 de fev. de 2021
Olá pessoal, tudo bem? Primeiramente gostaria de desejar a todos um ótimo começo de ano e, para começar 2021 aliando-nos ao combate às diferenças sociais, culturais e à marginalização da deficiências invisíveis, trago a continuação do assunto tratado na postagem anterior: _como-ser-um-aliado-parte-I, onde falo sobre acessibilidade motora e cognitiva, assim como a importância da incorporação desses temas no mundo dos jogos digitais.
Como o assunto sobre “acessibilidade” é bem extenso, decidi separar os temas – ainda sobre o “básico”. Nessa postagem falarei um pouco sobre acessibilidade visual e algumas considerações gerais sobre a importância da incorporação desses elementos nos jogos digitais.
** A foto usada na capa desse post é referente ao jogo "Novos Olhos", desenvolvido por cinco estudantes brasileiros, cuja meta principal era desenvolver um jogo focado em pessoas que apresentam algum tipo de deficiência visual - ou perda total da visão.
Acessibilidade Visual
Essa categoria está diretamente ligada ao processo visual, desde a captação da imagem feita por nossos olhos, até o processamento realizado em nosso cérebro e como interpretamos aquilo que estamos vendo.
Por ser uma mídia eletrônica e interativa, quando jogamos um jogo digital ficamos imersos em uma tela que simula uma profundidade real (principalmente quando falamos de 3D ou 2.5D). O fato da tela ser plana e simular esse efeito de profundidade pode resultar em um embaralhamento de informações em nosso cérebro.
Com o tempo da jogatina prolongado e, caso alguns cuidados não sejam tomados, o jogador pode vir a passar mal, sentindo tonturas, enjoos, náusea ou tamanha desorientação que pode ficar impossível continuar jogando.
Mas não se assuste! Existem muitas maneiras de amenizar esses efeitos e, o melhor de tudo, a implementação é bem simples. Separei aqui alguns tópicos para discorrermos sobre. Lembrando que você pode encontrar a documentação completa aqui: _game-acessibility-guidelines.
Cores
Usar cores nos seus jogos para comunicar-se com o jogador pode ser muito útil. Por exemplo, as cores “verde”, “amarelo” e “vermelho” podem sinalizar “segurança”, “alerta” e “perigo”, respectivamente; isso sem que você, desenvolvedor, precise escrever um texto ou implementar um tutorial para esclarecer.
Contudo, isso não é verdade para pessoas que não conseguem distinguir certas cores. Segundo o trecho extraído da página fundacaodorina, 3,5% da população brasileira declara ter algum tipo de deficiência visual.
Dentre elas, o tipo mais comum é o ‘daltonismo’ – que pode ser separado em três tipos:
Protanopia – caracterizada pelo fato da pessoa não conseguir enxergar a cor vermelha, podendo ver o objeto em tons de marrom, verde ou cinza.
Deuteranopia – Nesse caso, a pessoa não enxerga a cor verde.
Tritanopia – embora mais rara que as outras duas, nesse caso a pessoa não enxerga as cores ‘azul’ e ‘amarelo’.
Como a abordagem aqui é sobre acessibilidade nos jogos digitais, não vou discorrer mais sobre o daltonismo em si – mas para quem tiver curiosidade, vou deixar aqui o link de uma postagem bem interessante sobre o assunto, feita pelo _hospital-dos-olhos.
Agora, e quanto aos jogos? Tenho que deixar meu jogo em tons de cinza? Calma...você não deve tirar as cores dos seus jogos, mas lembre-se de não deixar as informações mais importantes atreladas somente à elas. Um exemplo disso foi o que aconteceu na primeira versão de “In A House”, onde cometi o erro de colocar fragmentos com o mesmo formato (todos eram esferas) de cores diferentes (amarela, azul e vermelha).
Acontece que, se as formas são iguais e a informação de qual fragmento o jogador deve coletar está atrelada somente às cores, caso ele (o jogador) não consiga enxergar alguma - ou nenhuma dessas cores - ele não saberá qual fragmento coletar e, consequentemente, não conseguirá jogar.
Então, como arrumar isso? Bastou trocar as formas dos fragmentos que, mesmo mantendo as cores, o jogador poderá enxergar que são peças diferentes. A conclusão disso é que você não precisa necessariamente trabalhar sem cores – a não ser que seja a proposta do jogo, mas lembre-se que trabalhar apenas com o 'contraste' pode diminuir o número de pessoas que possam jogar seu jogo.
Mas será que precisamos mesmo nos importar com isso? Eu poderia responder, mas antes quero deixar aqui um trecho de Karen Stevens, publicado no 'EA Tiburon':
"Nós estimamos que mais de meio milhão dos usuários do jogo 'Madden NFL' são daltônicos" - por Karen Stevens em EA Tiburon
Meio milhão de usuários é muita gente, não é mesmo? Mas mesmo que fosse apenas um jogador, porque não implementar algo tão simples e deixá-lo feliz? Afinal, o tema principal de tudo isso é "inclusão" nos jogos. Basta não deixar nenhuma informação pertinente à conclusão do seu jogo atrelada apenas às cores - sempre que possível, prefira usar textos, símbolos, padrões e/ou formas para transmitir alguma informação.
Campo de Visão
O campo de visão (ou 'FOV') é, basicamente, o ângulo disponível para a captura da imagem - comumente tratado em jogos 3D. Quanto maior esse ângulo, mais objetos caberão na cena e, consequentemente, na visão do jogador. A 'regulagem' do ângulo ideal depende muito da tela que o jogador usará - caso seja a tela de um televisor de 40'', o ângulo mais apropriado fica em torno de 60 graus; enquanto em uma tela de computador seria de 90 graus.
Caso o ângulo seja muito diferente do que o olho/cérebro humano espera ver, a percepção visual e interpretação cerebral do jogador ficará bem distorcida, o que pode gerar o efeito de "motion sickness" - lembra da 'Cinetose' que falei no post anterior? Embora seja mais comum em jogos de primeira pessoa - onde o jogador é a própria câmera - esse mal estar pode acontecer em diversos gêneros de jogos.
Você pode estar se perguntando então: "Qual o ângulo ideal para meu jogo?". Caso seu jogo seja feito para uma plataforma específica e exclusiva, fica mais fácil saber a angulação exata para o campo de visão do jogador - por exemplo, caso seu jogo rode apenas em computadores, você poderá escolher um ângulo de 90 graus ou maior...Mas e se jogador plugar um cabo e quiser jogar na TV?
Aí vem a dica de ouro. Para não ter problemas, basta colocar uma opção para o jogador configurar manualmente o campo de visão pelo menu de opções em seu jogo. Assim, você pode deixar um padrão mas, caso o jogador fique desconfortável, pode alterá-lo a qualquer momento e configurá-lo para adequar às suas necessidades individuais.
* A foto acima foi extraída de um vídeo do canal 'Wolfgang', cujo link vou deixar aqui para vocês conferirem a diferença entre uma angulação de 60 e 120 no campo de visão do mesmo jogo. _vídeo.
Tamanho da Fonte e Formatação
Para muitas pessoas com problemas na visão, ou até para aquelas que não podem jogar seu jogo em uma tela de tamanho razoável - telas de celulares, ou televisores pequenos - a escolha de um tamanho ideal para a fonte é essencial. Você pode deixar que o jogador escolha o tamanho em um menu de opções e configurações do jogo; caso isso não seja possível, usar fontes maiores já é um bom começo.
Além de fontes pequenas serem de difícil visualização, elas também afetam outra categoria já mencionada aqui no blog, que é a _acessibilidade-cognitiva. Para pessoas com sintomas de dislexia, a leitura fica muito mais difícil em fontes pequenas pois a diferença entre os tamanhos e formatos das letras ficam menos evidentes.
Outra questão muito importante de ser mencionada sobre os textos é a 'formatação'. Sei que um jogo também é uma forma de nos expressarmos artisticamente, mas lembre-se de não poluir seus textos - afinal, você quer passar uma informação clara, objetiva e concisa para seu jogador; textos muito poluídos até podem transmitir informação, mas muitos jogadores podem não conseguir ler.
"Por muitas vezes tive problemas lendo um texto em algum jogo. Fico imaginando que alguns desenvolvedores preferem ser 'chiques', usando palavras rebuscadas, sem espaçamento devido entre as letras...É irritante! Fico aqui olhando meu monitor, tentando decifrar os símbolos na tela em letras ao invés de 'peças artísticas'. Se não consigo ler seu jogo, não irei jogá-lo" por Mabduira via Reddit.
Para a questão visual, basta escolher um tamanho adequado da fonte - ou disponibilizar a opção no menu para o jogador selecionar a fonte que desejar; Ter um bom espaçamento entre as letras e escolher um background 'limpo' podem ajudar e muito na leitura.
Agora, para questões cognitivas, além do que foi mencionado acima é recomendado a mistura entre caixa alta e baixa - ao invés de usar apenas letras maiúsculas ou minúsculas - 1,5x de espaçamento da linha e, no máximo, 70 caracteres por linha. Caso queira ir além nessa questão, você também pode procurar por fontes específicas para 'Dislexia' e deixar disponível para o jogador escolher; Contudo, lembre-se de colocar como uma opção...Usar essa fonte como 'padrão' no seu jogo fará com que pessoas que não tem dislexia tenham dificuldade de ler.
Contraste
Um baixo contraste entre o texto/UI e o background podem dificultar muito a leitura, principalmente quando os casos mais comuns de deficiências na visão resultam especificamente na perda da sensibilidade no contraste - ou a perda total. Um alto contraste entre esses elementos podem ajudar não somente esses jogadores, mas também aqueles que jogam em celulares, displays de baixa qualidade ou até em casos da tela ficar exposta à luz direta do sol.
Vale lembrar que existe um mito comum atrelado ao alto nível de contraste - de que pode causar epilepsia. Na verdade, a manutenção de um bom contraste, tamanho de fonte legível, redução do espaçamento das linhas ou uma separação regular e intervalada dos parágrafos resolvem esse problema.
A ideia aqui é deixar as informações no jogo o mais claras e legíveis possível. Caso não seja adequado para o seu jogo, tente utilizar sombras para evidenciar os elementos da interface e os textos do background.
Conclusão
Então é isso, pessoal. Podemos concluir que a "acessibilidade visual" pode e deve ser cada vez mais implementada nos jogos digitais. Percebemos também que todos os assuntos tratados até aqui são de fácil implementação, e que desenvolvedores independentes também podem incorporar esses conceitos em seus jogos.
Agradeço a todos que estão acompanhando o blog e, para a próximo postagem, falaremos um pouco sobre "acessibilidade auditiva". Caso você tenha caído de paraquedas por aqui, não esqueçam de ler os outros posts da LRVStudios: _Como-mudar-o-mundo-com-os-jogos-digitais e _Como-ser-um-aliado-parte-I. Não esqueçam de dar uma olhada nos outros canais para ficarem ligados nas novidades, e compartilhem para que mais pessoas tenham acesso à esse conteúdo.
* Caso tenha interesse em saber mais sobre os tipos de daltonismo mencionados, deixo aqui uma postagem publicada em _garotasGeeks.
* Boa parte do conteúdo desse post foi baseado no documento _gameAcessibilityGuidelines.
Leonardo R. Vieira - LRVStudios
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