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Como ser um aliado Parte I – O Básico Sobre Acessibilidade nos Jogos.

  • Foto do escritor: LRVStudios
    LRVStudios
  • 29 de dez. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 26 de fev. de 2021

“Eu nasci com Paralisia Cerebral, não posso andar e tenho movimento limitado das mãos. Amo vídeo games de todos os tipos e jogo desde meus 3 anos de idade. Eu só queria agradecê-los, Blizzard, por terem uma adaptação dos controles quase que infinita no Overwatch. Não sei se foi o objetivo de vocês, mas por causa de suas extensas opções, sou capaz de jogar com todos os personagens da lista, e isso é ótimo. Por causa de vocês fiz meu primeiro ‘snipe’ em um vídeo game hoje.”
Zak, via Reddit

O trecho acima foi extraído do _gameAcessibilityGuidelines – um documento que compila desde as formas mais básicas de acessibilidade nos jogos digitais, até uma lista completa de todos os assuntos que envolvem esse tema.


O primeiro exemplo está ali, quando “Zak” fala: “(...) por terem uma adaptação dos controles quase que infinita (...)”. Uma questão relativamente simples de ser implementada, como a possibilidade do jogador mudar os controles do jogo em uma tela de “Opções”, pode deixar seu jogo muito mais acessível às pessoas que tenham algum tipo de limitação motora...e não para por aí.


“A imersão (e diversão, motivos pelos quais eu jogo “jogos”) foi completamente quebrada quando precisei me concentrar para ver aquela palavrinha minúscula no canto inferior da tela. Simplesmente perdeu a graça, muito menos imersivo.”
Visiny, via Reddit


Esse trecho de “Visiny” já aborda um outro termo dentro do _gameAcessibilityGuidelines, que é a “Acessibilidade Cognitiva”. Um tamanho de fonte inadequado pode acabar quebrando a imersão do jogador, o que é muito chato; mas o que isso tem a ver com “Acessibilidade”? Tamanhos muito pequenos de fonte não são apenas difíceis de ver, como podem ser mais difíceis de ler por pessoas que apresentam dislexia; isso pode acontecer pela diferença entre os formatos das letras, que ficam menos evidentes nos pixels menores.


Talvez você seja um desenvolvedor iniciante e não saiba ainda como remapear os controles do


seu jogo, mas ajustar o tamanho das fontes – e definir um padrão, depois de ter escolhido um tamanho agradável para seus jogadores – é algo bem simples de ser feito. Foi pensando em todos os temas que envolvem a Acessibilidade nos Jogos Digitais que decidi listar algumas implementações básicas que nós, desenvolvedores independentes, podemos fazer para nos tornarmos um aliado no combate aos Estigmas Sociais.

Imagine agora que, referenciando a imagem ao lado, o seu jogo seja o objeto no centro; o gato e o galo representam seus jogadores. Talvez um ou outro esteja mais apto a pegar e brincar com o objeto - e pode ser que só um deles consiga fazer isso.

Pensar em termos de acessibilidade nos jogos digitais é justamente encontrar uma maneira em que os dois possam utilizar aquilo - no caso, jogar seu jogo.

Foto de Daniel Tuttle em Unsplash.

 

O básico sobre acessibilidade motora e cognitiva - Parte I.


  • Acessibilidade Motora. (Controle e Mobilidade)

Como foi mencionado no começo desse post por “Zak”, uma das formas de trazer a “Acessibilidade Motora” para os jogos digitais é permitir a reconfiguração dos botões pelo jogador. Como o intuito aqui é trazer o básico sobre acessibilidade nos jogos digitais e, o mais importante, trazer implementações cabíveis, práticas e possíveis aos desenvolvedores independentes, você deve estar se perguntando: “Mas será que só permitir a reconfiguração/remapeamento dos controles é o suficiente para suprir esse ‘básico’?”.


A resposta pode ser que seja “sim”, mas vai depender do que você, desenvolvedor, quer implementar no seu jogo. Mesmo tratando de um assunto muito pessoal, gostaria de mostrar outras formas de incorporar a “Acessibilidade Motora” no seu jogo – lembrando que fica a critério de cada um decidir o que fazer com o próprio jogo; o intuito aqui é trazer informação e conhecimento.


Certificar que todas as áreas da interface possam ser acessadas pelos mesmos inputs usados na gameplay é outra forma de incorporar a “Acessibilidade Motora”. Além de ser mais intuitivo para o jogador, algumas pessoas podem ter dificuldade em apertar algumas teclas, como é o caso de “vantezzie”:


“Só dá para mexer nos menus do jogo com o D-pad (Botão direcional), e não com os analógicos. Sou fisicamente inapto a usar o D-pad graças à minha doença...fico arrasado de não poder jogar o último lançamento da minha série de jogos favorita por conta de algo tão estúpido...”
Vantezzie, via Reddit

Aí está algo bem simples de fazer, como manter e usar os mesmos comandos usados na gameplay, para navegar pelos menus do jogo. E não se trata apenas de deixar o jogo mais intuitivo e agradável, mas também incluir cada vez mais pessoas que possam jogar o seu jogo...e isso é realmente incrível. Por enquanto, só mencionei alguns itens – ainda dentro do tema “Acessibilidade Motora” – que são relativamente simples de serem implementados, mas que já mostram a ideia por traz disso – mencionada no título desse post – que é “Como ser um aliado?”.


Um dos principais pilares na luta contra os Estigmas Sociais – para quem não leu meu primeiro post no blog, só clicar em: Abertura do Blog - Como Mudar O Mundo Com Os Jogos Digitais – é a “Inclusão Social”. Incorporar a acessibilidade nos jogos digitais se trata justamente de incluir pessoas que não poderiam jogar seu jogo, caso essas implementações não existissem. Concordo que existem algumas implementações que para nós, meros desenvolvedores independentes, são inviáveis de serem feitas. Mas quer outro(s) exemplo(s) de algo ‘básico’ e relativamente fácil também?! Então olha só esse comentário do ‘MagnumBK’:


“Eu tenho tremores nas mãos e isso torna difícil mirar com o mouse”
MagnumBK, via World of Thanks Forums |Foto de Max Bender em Unsplash

Esse comentário nos permite observar que nem todos tem facilidade em usar uma sensibilidade alta com o mouse. Para ‘arrumar’, basta deixar uma opção no menu onde o jogador poderá ajustar a sensibilidade do movimento (seja do mouse, analógicos de controle, touch...). A opção de reduzir a sensibilidade dos controles não só permite que pessoas com amplitude de movimentos reduzida possam jogar seu jogo, como também pode reduzir o impacto da “simulation sickness” ou “cinetose”, que nada mais é do que um “enjoo” causado pela mudança de percepção cerebral e corporal – quando jogamos, estamos parados fisicamente; mas nosso cérebro está pulando, correndo e fazendo coisas por vezes impossíveis com o personagem.

Como resolver isso, então? a “Cinetose” é mais comum em jogos de primeira pessoa, onde tenta-se passar exatamente o que o olho humano captaria. Daí vem mais algumas opções de acessibilidade, que além de permitirem uma inclusão maior no seu jogo, podem ajudar a reduzir o impacto da “Cinetose”, como por exemplo:


  • Permitir que o jogador possa ajustar o campo de visão (Field Of View) do jogo no menu “opções” pode ser uma boa ideia – mas evite valores muito baixos.

  • Evitar valores muito altos de “Motion Blur” – aquele borrão na tela quando a câmera se movimenta muito rápido – e permitir que o jogador possa desabilitar essa opção, podem ajudar também a reduzir o impacto da “Cinetose”.

  • Como já foi mencionado acima, a possibilidade de reduzir a sensibilidade dos controles também ameniza os efeitos da “Cinetose”.


  • Acessibilidade Cognitiva (Pensamento, memória e informação processada)

Além da adaptação de um tamanho de fonte que seja de fácil leitura, o uso de uma linguagem clara e simples, assim como uma formatação de texto legível são ótimas maneiras de incluir um maior número de jogadores que possam jogar seu jogo; embora existam outros fatores que devemos considerar, como:

  • Incluir tutoriais interativos.

  • Permitir que os jogadores possam ler qualquer texto no seu próprio ritmo – principalmente os que forem relevantes para a interação no jogo.

  • Evitar imagens 'piscantes' (sensação do 'flash' quando da câmera fotográfica) ou padrões muito repetitivos.

Para muitos de nós, o processo da descobrir e planejar nossas ações para mover nossos corpos facilmente e alcançar um objetivo, pode passar desapercebida. Por exemplo, quando decidimos ir até a cozinha pegar um copo d’água, planejamos nossa ação rapidamente e, em instantes, nosso corpo executa exatamente o que planejamos – diferentemente de movimentos reflexivos como um ‘susto’. Para quem tem “dispraxia”, isso pode ser bem diferente.


A “Dispraxia” afeta a habilidade de visualizar sistemas complexos, ou prejudica a memória de curto prazo. Uma das maneiras de quebrar essa barreira é permitir que o jogo seja iniciado, sem a necessidade de navegar por diversos menus. Mesmo que a pré-configuração seja de grande valor para muitos jogadores, tenho certeza que fornecendo uma opção de inicialização rápida no seu jogo, abrirá portas para muitos outros. Os tutoriais interativos também podem auxiliar aqui, pois a combinação entre ‘interação’ e ‘instrução’ dá mais significado para o jogador associar e memorizar, além de que praticar enquanto aprendemos algo é muito mais intuitivo do que primeiro aprender, e depois lembrar como aplicar quando a interação toma lugar.


É importante ressaltar aqui a cadência de leitura. Os textos, tanto em tutoriais como mensagens espalhadas pelo jogo, não devem ter um tempo de leitura limitado. A possibilidade do jogador ler em seu próprio ritmo permite uma inclusão ainda maior de jogadores que se sintam confortáveis ao jogar seu jogo. Além disso, outra questão importante sobre Acessibilidade Cognitiva é evitar o uso de telas 'piscantes' ou padrões extremamente repetitivos (ao que se diz respeito à visão). Antes de explicar sobre esse último assunto, gostaria de trazer um trecho de “Cathy Vice”:


“Não achei que fosse experimentar algo tão aterrorizante quanto minha primeira convulsão. É algo que não desejo para meu pior inimigo”
Cathy Vice, via IndieGamerChick.com

Pessoas com epilepsia fotossensível estão mais suscetíveis à gatilhos gerados por padrões repetitivos, como o desenho do Pokemon que foi lançado em 1997, onde mais de 600 crianças foram admitidas em hospitais depois de sofrerem um ataque epilético. Para evitar esse problema, alguns gatilhos devem ser evitados, tais como:


  • Qualquer sequência de imagens piscantes que dure mais de 5 segundos.

  • Mais de 3 flashes em um segundo, que cubram mais de 25% da tela.

  • Padrões de movimentos repetitivos ou textos uniformes, que cubram mais de 25% da tela.

  • Padrões estáticos ou textos uniformes que cubram mais de 40% da tela.


Existem fórmulas complexas que permitem calcular qual a diferença no contraste que tem esse efeito e para qual porção da visão do jogador isso afeta. Contudo, o objetivo aqui é trazer o “básico” sobre acessibilidade nos games, de forma que um desenvolvedor independente consiga implementar sem muitas dificuldades e, por esse motivo, basta atentar-se a eliminar ao máximo o uso desses padrões no seu jogo. Caso não consiga implementar essa questão de forma que não danifique o jogo em si, certifique-se de deixar um aviso bem claro aos jogadores, e investigue a possibilidade de deixar uma opção para desabilitar esses ‘padrões’ no menu.


Conclusão

Podemos concluir então que trazer mais

acessibilidade para seus jogos não precisa ser um ‘bicho de 7 cabeças’; existem muitas maneiras que são relativamente simples de serem implementadas, que podem trazer uma inclusão significativa e você não precisa investir quase nada – só um pouco mais de tempo para planejar e implementar essas questões.


Embora existam muitas outras formas de Acessibilidade que podemos trazer para os Jogos Digitais, decidi separa esse post em duas partes. Até aqui, tratamos de Acessibilidade Motora e Cognitiva; no próximo post pretendo trazer para vocês o básico sobre “Acessibilidade e Visão”, “Acessibilidade e Audição”, e mais sobre “Acessibilidade Geral Básica” para fecharmos esse assunto. Para ficar mais claro ainda, deixarei em forma de lista tudo o que vimos até aqui e o que veremos a seguir. |Foto de Sasha Freemind em Unsplash

 

O que vimos até aqui?


“Acessibilidade Motora”:

  • Permitir a reconfiguração/remapeamento dos controles no jogo.

  • Certificar-se que todas as áreas da interface do usuário possam ser acessadas pelos mesmos botões usados durante a gameplay.

  • Incluir uma opção para ajustar a sensibilidade dos controles.

  • Certificar-se que os controles sejam os mais simples possíveis, ou providenciar uma alternativa simplificada.

  • Caso o controle tenha “vibração”, permitir que o jogador possa desabilitá-la.

“Acessibilidade Cognitiva”:

  • Permitir que o jogador possa iniciar o jogo sem ter que navegar por diversas abas de menus para tal.

  • Use um tamanho de fonte legível.

  • Use uma linguagem simples, clara e objetiva.

  • Inclua tutoriais interativos.

  • Permita que os jogadores possam ler as caixas de diálogo ou textos no jogo em seu próprio ritmo.

  • Evite imagens piscantes e padrões extremamente repetitivos.

O que veremos nos próximos posts?

  • “Acessibilidade e Visão”

  • “Acessibilidade e Audição”

  • “Acessibilidade Geral Básica”

Essas são apenas algumas ideias para responder a pergunta que fiz no título: "Como ser um aliado". Embora seja um assunto bem amplo, podemos perceber que são questões que podem ser respondidas através de outra pergunta mais simples ainda, que é: "Como ajudar?".


Espero que tenham gostado do conteúdo e, aproveitando a data próxima, desejo uma ótima virada de ano a todos. Lembrando que as questões que trago aqui tem como intuito principal promover cada vez mais a inclusão social, de forma que consigamos combater os Estigmas Sociais de nossa sociedade. A proposta de trazer isso para os jogos digitais não vem de agora – muito menos a luta contra as marginalizações sociais, doenças invisíveis (como epilepsia e dispraxia, mencionadas durante o texto, por exemplo) e, de forma geral, preconceitos estruturais de nossa sociedade.





Vale lembrar aqui também que, apesar de trazer esse conteúdo para vocês, cada desenvolvedor tem autonomia para decidir o que fazer em seu próprio jogo – isso não é uma crítica em si; trago ideias para que possamos debater e evoluir, tanto no âmbito profissional como pessoal. Assim como o combate aos estigmas sociais seja um assunto muito mais profundo e vá além dos jogos digitais - o que podemos incorporar em nossas vidas. Juntos somos mais fortes e temos maiores chances de vencermos essas barreiras sociais.


Desejo de coração um feliz e próspero 2021 para todos, muitas conquistas e cada vez mais conhecimento. Caso tenham gostado, fiquem atentos aos canais da LRVStudios que estou preparando muito mais conteúdo para vocês. Que venha 2021! 😊


* Boa parte do conteúdo desse post foi baseado no documento _gameAcessibilityGuidelines.


Leonardo R. Vieira - LRVStudios

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